70 anos. Muito tempo, não é? Correm como um rio em dia de chuva de verão. Ninguém consegue navegar. Ninguém consegue, às vezes, nem enxergar o que está acontecendo na outra margem.
O dia 11 de setembro me toca o coração e a mente por mais de uma razão. Não só pela tragédia mundial de 2001, mas também por uma questão familiar. Se vivos, meus pais fariam 70 anos de casados e, além disso, meu pai completa 10 anos que faleceu. Ele foi enterrado em 2014 no mesmo dia em que os dois comemorariam “bodas de diamante”, 60 anos de vida matrimonial.
A trajetória do fim da vida dele foi ágil como o fluxo do rio que citei acima. Teve febre em um dia, internou no seguinte e menos de 48 horas depois, parou de respirar. Naquele momento, não atinamos o que poderia estar em curso com as datas coincidentes. As questões do enterro, do próprio hospital, da burocracia tomaram a frente das nossas vidas.
Caímos na real depois. Será que ele escolheu a data da morte pelo significado, pelo compromisso com a então noiva?
Fico aqui pensando se escolhemos quando partir desse mundo. É o destino que determina? É o Criador que define qual é o momento de trocarmos de lugar com outra alma que deseja encarnar? Ou é uma opção nossa?
Quando o vi na cama do hospital rodeado de aparelhos, se recusando a comer – nem o mamão que tanto gostava – com um leve sorriso, feliz por nos ver, achei que estava muito pensativo. Na madrugada seguinte, teve uma parada cardíaca inesperada pelos médicos, foi reanimado e na tarde posterior se foi. Uma surpresa já que a equipe que o acompanhava, a princípio, achava que ele se recuperaria. Aos 93 anos, não tinha nenhuma doença que exigisse mais cuidado, a não ser aqueles referentes à idade.
Nessa época, minha mãe já havia falecido há quase 3 anos. Foi difícil mobilizar meu pai para se transferir e ficar com o meu irmão. Levamos quase seis meses no papo da persuasão. Ele não queria abandonar o lar que os dois montaram já na velhice.
Por cinco décadas, viveram em uma casa de subúrbio comprada em prestações para o casamento. Foi onde nos criaram e tiveram cachorro, patos e periquitos. Depois de tanto tempo, por que mudar?
Enfim, acabaram se convencendo de que seria melhor morar em um apartamento pequeno sem quintal, jardim ou calçada para varrer e lavar. Sem ter que arrumar o lixo para a Comlurb recolher. As pernas já não davam mais conta das inúmeras tarefas domésticas. Ficaram por lá o bebedouro dos passarinhos, as roseiras, a mangueira imensa do fundo do terreno, a vizinhança das longas conversas.
Meu pai acabou mudando desse apartamento e doando tudo que pertencia à minha mãe. Sabíamos que não demoraria muito a seguir seu caminho eterno. No entanto, o relacionamento no mesmo espaço com minha sobrinha lhe trouxe ânimo e alegria, o deixou mais tempo por aqui. Foi bom para todos. Uma benção.
A coincidência da data da sua morte será sempre uma dúvida. Acho que jamais saberemos.