— Que tal o xadrez vermelho e branco? Podemos colocar sianinha e bordado inglês…. mais uns lacinhos, umas bolinhas.
— Ah, tia, a do ano passado não foi vermelha também? Lembra que senhora pintou uns balõezinhos amarelos no decote?
A adolescente magrela devia ter 11 ou 12 anos. Caminhava pelas ruas centrais do Rio de Janeiro em busca do tecido ideal para mais uma das muitas fantasias de caipira. O dia era um daqueles de outono carioca de céu azul e muita luz.
Ela amava essa época do ano, as danças das “quadrilhas”, as viagens curtas em ônibus alugados, as tranças com laço na ponta, o cheiro da fogueira queimando. O mais lindo eram as bandeirinhas e os balões de papel colorido pendurados em todos os locais das festas juninas.
Por causa dessa tia costureira, sempre tinha roupa nova, fantasia de Carnaval e de caipira diferentes a cada ano.
Ali, pelas calçadas da avenida Passos, entravam nas lojas, perguntavam o preço e saiam. Era uma abundância de tricoline, gabardine, cetim de todas as cores. Muitas perguntas sobre os preços, as larguras dos tecidos.
De repente, caminhando atrás da tia, a adolescente sentiu algo por dentro de sua roupa. O vestido era de bolinhas amarelas e brancas. Sentiu uma mão masculina e dedos entre as suas pernas em meio aos botões da frente. Tudo foi muito rápido.
Paralisada, muda. Ficou como uma estátua na calçada em frente a uma das lojas. Não conseguia atinar o que havia acontecido. Ninguém viu o que aconteceu. Se viu, se calou.
Acabou se perdendo da tia. O homem não retornou. Esse era seu maior medo.
Ainda parada, ouviu seu nome ao longe.
— Você está ainda aqui? Gostou desse tecido xadrez azul e branco, né? Então, vamos comprar esse mesmo.
Os anos passaram. Com o retorno dessa época do ano, percebeu que a dor daquela tarde não havia sido esquecida. A sensação foi amarga.
Por alguma razão, o mesmo cheiro de fogueira chegou às suas narinas. Foi até a janela. Não viu nada. Não ouviu nenhuma música. Não havia festa. Achou que estava sonhando. Chorou muito.
Lembrou do seu amor pelas festas juninas, do carinho da tia e do quanto foi feliz com a imagem das bandeirinhas coloridas balançando ao vento.
De alguma forma, precisava tirar o fantasma e o abuso das suas memórias. Do contrário, esse dia ficaria assombrando a sua existência. “Porra, puta que pariu, desaparece da minha vida”.
O fantasma canalha abusador obedeceu.