A ideia era comprar pão, frutas e queijo para o café da manhã em uma rede de supermercados espanhola. Eu ainda não a conhecia. É muito recomendada por aqui, no território português. Era apenas isso.
A cada segundo que nos aproximávamos do estacionamento percebíamos que algo de diferente estava acontecendo. Gente aglomerada, carros que voltavam em marcha ré.
A noite cai cedo nessa época do ano em Portugal. Apesar de não ser tão frio quanto a Alemanha, a temperatura já estava beirando os 17 graus. Um vento leve também rondava a área. Enquanto buscávamos uma vaga, gritos ficavam cada vez mais perto.
“Não. Não. Ele não morreu”. Um pouco ao longe, uma mulher na faixa dos 30 anos com sotaque brasileiro era amparada por outro rapaz. Se desfazia. Se contorcia. Chorava muito. Já era indício que algo trágico estava se desenrolando.
O corpo de um homem aparentemente na mesma faixa etária estava no chão do estacionamento ao lado de um carro cinza. Algumas pessoas atônitas ao redor falavam entre si. Nenhuma ação. Aguardavam a chegada da ambulância dos bombeiros. Os gritos da mulher continuavam. Nessas horas, vem aquela vontade de fazer algo para que o desfecho não seja trágico. Mas, não havia o que fazer. Nós ali permanecemos em oração. Torcendo para que o destino desse mais uma chance ao rapaz.
Dentro do supermercado, havia uma enfermeira que foi acionada. Prontamente, correu e começou a massagem cardíaca. Nada. O ar parecia que não desejava mais voltar a entrar nos pulmões daquele homem. Em pouco tempo, as sirenes de duas ambulâncias se fizeram ouvir. Entraram e o protocolo de atendimento de urgência foi posto em ação. Nada.
Pouco depois, todos que não estavam diretamente envolvidos na operação de socorro foram afastados. Assim, retornamos para nossa intenção inicial: fazer compras para o café da manhã.
Lá dentro, impactada, comecei a refletir sobre a rapidez com que a vida passa pela gente. Como que os acontecimentos inesperados nos rondam, como situações comuns podem se tornar incomuns. Dias atrás, escrevi sobre as pessoas (e eventos) que entram e saem do nosso dia a dia sem sabermos sequer de onde são, para onde vão, o que querem. São como uma estação de trem onde você pode até ficar sem a sua viagem. Acabam se perdendo de nós.
Imagina sair para fazer compras em um supermercado de bairro, cair no chão e perder os sentidos em um dia de outono frio. Nada comum.
Quando saímos a ambulância UTI de resgate estava montando a maca para retirar o rapaz. Não sei o seu estado. Não sei se sobreviveu. Espero que sim. Espero que tenha sido somente mais um desses sustos inusitados da vida. Nossas orações se mantiveram com ele.